quinta-feira, 4 de novembro de 2010

desejo

Só há uma coisa pra se ver no reino
crepuscular de Desejo. É o que se chama
limiar, a fortaleza do Desejo.

Desejo sempre morou no limite.

O limiar é maior do que podemos imaginar.
É uma estátua de Desejo,
ele ou ela própria.
(Desejo nunca se satisfez com um
único sexo. Ou apenas uma de qualquer
coisa... Exceto, talvez, o próprio limiar.)
O limiar é um retrato do Desejo,
completo em todos os detalhes, erguido,
a partir de seus caprichos, com sangue,
carne, osso e pele. E, como toda
verdadeira cidadela desde o início dos
tempos, o limiar é habitado. O lugar só
tem um ocupante neste momento.
O Desejo dos Perpétuos.

O limiar é grande demais para apenas
uma pessoa. Contém dois tímpanos maiores
que uma dúzia de salões de baile. E veias
vazias e ressonantes como túneis.
É possível andar nelas até envelhecer e
morrer sem passar novamente pelo
mesmo lugar. Entretanto, dado o
temperamento de Desejo,
só há um lugar em toda a catedral de
seu corpo que lhe serve como lar.

Desejo mora no coração.

É improvável que qualquer retrato
consiga fazer jus a Desejo,
pois vê-la (ou vê-lo)
seria o mesmo que amá-lo
(ou amá-la) - apaixonadamente,
dolorosamente, até a
exclusão de tudo o mais.

Desejo exala um perfume
quase subliminar de pêssegos
no verão e projeta
duas sombras: uma negra
e de nítidos contornos; a outra
sempre ondulante,
como neblina no calor.

Desejo sorri em breves lampejos,
da mesma forma que o brilho
do Sol reluz no gume de uma
faca. E há muito, muito mais do gume
de uma faca na essência de Desejo.

Jamais a(o) possuída(o), sempre
o(a) possuidor(a), com pele
tão pálida quanto fumaça,
e olhos aguçados como vinho.

Desejo é tudo o que você sempre quis.

Quem quer que seja você.
O que quer que seja você.

Tudo.

delírio

Ela cheira a suor, vinho azedo,
noites tardias e couro velho.

Seu reino é próximo, e pode
ser facilmente visitado.
As mentes humanas, porém,
não foram feitas para compreender
seu domínio, e os poucos
que viajaram até ele conseguiram
relatar apenas fragmentos perdidos.

Sua aparência, um amontoado de
idéias vestidas no semblante da carne,
é a mais variável de todos os Perpétuos.
A forma e o contorno de sua sombra
não têm relação com a de nenhum
corpo que esteja usando.
Ela é tangível como veludo gasto.
Delírio tende a se tornar borboletas
ou peixes dourados, agora e sempre.

Alguns dizem que a grande frustração
de Delírio é saber que, apesar de ser
mais velha que as estrelas e mais antiga
que os deuses, ela continua sendo,
eternamente, a mais jovem da família,
pois os Perpétuos não medem tempo
como nós nem vêem mundos
através de olhos mortais.

O poeta Coleridge afirmou tê-la
conhecido intimamente, mas o sujeito
não passava de um mentiroso inveterado.
Portanto, devemos duvidar de
cada palavra sua.

Um dia, Delírio também foi Deleite.
E, embora isso tenha sido há muito
tempo, ainda hoje seus olhos têm
matizes diferentes: um é verde-esmeralda
bem vivo, salpicado de pontos prateados;
o outro é do mesmo azul que esconde
sangue dentro de veias mortais. Ela vê
o mundo de seu própria e única visão.

Os Perpétuos acreditam que apenas
Delírio sabe porquê ela mudou.


I Remember You.

aquele sorriso que chegou e brilhou o meu dia.
saudade.