quinta-feira, 19 de março de 2009

Preciso Poder

Era um caixão, um caixão rubro feito sangue. Matt não sabia o que aquela coisa estava fazendo ali, mas tinha certeza que alguém estava ali dentro. Ele estava tão intrigado que mal percebeu que havia uma única pessoa no horizonte daquela cena que mais parecia um quadro do que a realidade. As cores eram todas fracas e ele se sentia preso dentro de um filme do Tim Burton. A atmosfera era gélida, o ar denso e sentia presente um horrível perfume de flores mortas e grama cortada. Andou até o caixão e o abriu. Então ali estava ele, Vince. Haviam obscuras manchas negras embaixo de seus olhos, que estavam escancarados e esbranquiçados, como se nunca houvessem brilhado. Seus longos cabelos louros estavam opacos e sua boca, ensangüentada. A dor era tão profunda que Matt mal conseguia respirar [SOMEBODY WAKE ME THROUGH THIS NIGHTMARE], caiu de joelhos no chão e gritou, com medo, com ódio. As lágrimas escorriam dos seus olhos como cachoeiras e quando caiam naquela caótica pintura, se tornavam rubras e delas nasciam flores negras como rosas. Ao horizonte agora podia ver um abismo, e a vista desse abismo era um enorme mar rubro, e não era o sol que estava se pondo, pois não era correta aquela forma no sol; pensou um pouco com dificuldade e se tocou que o que se punha não era o sol, mas sim a lua que nascia, com um absurdo brilho, tão intenso quanto o sol mas era gélido como o inverno. Por um instante fez-se o silencio absoluto, e quando Matt parou para prestar atenção no que seria aquela coisa disforme no horizonte e de repente se tocou que aquilo era um homem. Um homem de cabelos prateados. E este homem o observava. Este homem era Vince, que vinha correndo em uma velocidade paranormal, com o brilho mais assustador possível nos olhos. Vince vinha e o atacava.
Matt acordou suando e respirando com dificuldade, e novamente as lágrimas brotavam de seus olhos. Como desejava que o destino pudesse ser moldável.
Há alguns anos, Matt e Vince eram muito amigos, faziam de tudo juntos, desde carregar o velho caminhão de gás a traficar substancias ilícitas em algumas festas na cidade grande. Não eram nem um pouco santos como pareciam, usavam drogas, enchiam a cara até a manhã seguinte e faziam sexo com meninas inocentes que acreditavam realmente que iriam ligar no dia seguinte. E talvez até ligassem. A mãe de Vince era doente, o seu pai tinha largado tudo para viver com uma mulher que conheceu jogando buraco na casa de um conhecido. Sua esposa estava lá, mas até hoje ela não sabia quem era a bastarda que roubara seu marido. Lílian então adoeceu. Um enfisema pulmonar, pois de apenas um ou dois cigarros por dia, passou a fumar duas caixas de cigarro. Tudo mudou quando Oliver, o irmão mais novo de Vince faleceu de pneumonia. A mãe então caiu em uma profunda depressão e agora não eram só os vinte cigarros adicionais que começou a fumar, mas bebia também garrafas inteiras de destilados. Talvez tenha sido por isso que Vince tenha horror a cigarro e a destilados. Mas a vida de Matt era fácil até. Um cidadão de classe média, que tinha uma mãe que fazia seu café da manhã, um pai que o levava para a escola, televisão com 230 canais, um cachorro no quintal e um carro quando teve idade para isso. Não estudava num colégio particular, pois o dinheiro de sua mãe ainda não era o suficiente, era gerente de uma loja de sapatos que estava crescendo. O dinheiro de seu pai era todo destinado às contas da casa, pequenas dívidas e para a poupança de Matt para a faculdade. Nunca havia visto nenhuma briga de seus pais e nunca foi atormentado na escola, ao contrário de Vince. Ia passar os natais com sua namoradinha do colegial, e era tudo perfeito. Mas sua namorada resolveu o trocar por um jogador de futebol, muito maior do que ele. Sem ele saber. E quando descobriu, compreendeu aquilo como a realidade, e como num passe de mágica, de “o cara normal”, Matt se tornou o maior alvo de chacotas da escola. Entrou numa academia e malhou sem parar. Começou a tomar o dinheiro de caras pequenos na hora do lanche e logo já tinha uma pequena gangue. No dia que era para ser pelo menos um pouco agradável para Vince, seu aniversário, o grande valentão apareceu para lhe tomar o dinheiro. Mas Vince era um rapaz resistente, apesar de magro, só que quatro era um número muito grande para brigar com ele. No final das contas acabou se rendendo, deu os seus últimos trocados que sobraram do dinheiro para ajudar com a comida em casa para os garotos e então se mandou. Só que quando ele chegou em casa, não recebeu um abraço de aniversário, mas foi esbofeteado por ser incapaz de defender-se sozinho e ainda por cima perder o dinheiro. E aquela foi a última vez que viu sua mãe viva e que foi para a escola. Passou a noite andando pela rua e dormiu em um cais. No dia seguinte pescou alguns peixes pequenos e usou um pouco do dinheiro que furtou em casa para comprar uma quentinha barata. Passou algumas semanas vivendo assim, até o dinheiro acabar.